Além de apontar quais são as notícias falsas ou inconsistentes, agências trabalham para educar o olhar do cidadão contra informações suspeitas
Popularizadas nas redes sociais como uma forma de classificar notícias mentirosas, mas também atacar o trabalho da imprensa, as fake news hoje são utilizadas como instrumento de influência ideológica ou política, e seu potencial de dano realça a necessidade de que as pessoas tenham ferramentas para identificar e coibir a disseminação de mentiras.
A expressão fake news se refere a informações falsas que, com caráter noticioso, são divulgadas e espalhadas em redes sociais de forma a influenciar pessoas, endossar um viés político ou ideológico e também espalhar mentiras quanto a temas relacionados à saúde e à violência.
O tema passou a chamar mais a atenção durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2016. À época, uma informação disseminada nas redes dizia o seguinte: “Papa Francisco choca mundo e endossa Donald Trump para presidente” – tal informação foi desmentida.
Mas o poder nocivo das informações falsas já era conhecido no Brasil antes disso. Em 2014, Fabiane Maria de Jesus, aos 33 anos, foi espancada e morta por dezenas de moradores do Guarujá, no litoral de São Paulo, em decorrência de um boato postado no Facebook (na extinta página Guarujá Alerta) sobre sequestro de crianças.
A página vinculou a foto de uma mulher, alertando que ela poderia ser responsável pelo sequestro de crianças na região, com a frase: “Se é boato ou não, devemos ficar alerta”, no fim da postagem. A foto não era de Fabiane, mas ela foi confundida e morta. Cinco pessoas envolvidas no assassinato foram condenadas nos anos seguintes. As investigações apontam que não havia registro de denúncias de sequestro de crianças na região.
Checagem de fatos
As fake news também são espalhadas com orientações sobre saúde. O Ministério da Saúde criou no ano passado uma página para verificar a veracidade de informações que tem recebido. Uma delas, analisada em fevereiro deste ano, rebate informações disseminadas nas redes na qual se dizia vagamente que leite em pó, açúcares refinados, temperos prontos, micro-ondas, mamografia, entre outros, devem ser evitados de modo a prevenir o câncer. À essa postagem está atrelado o nome de um médico, sem mencionar o número da licença para exercer a função.
Algumas agências no País são dedicadas exclusivamente à checagem de fatos (fact-checking é o termo utilizado) e também da escala de veracidade de uma informação. A Agência Lupa, criada em 2015, foi a primeira do Brasil a fazer a atividade.
A agência verifica notícias supostamente falsas enviadas por usuários das redes sociais. A fundadora, sócia e diretora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila, informa que a maior parte das solicitações de checagem que chegam à agência é referente a conteúdo político ou de saúde, mas que é muito difícil medir como a temática em si influencia na disseminação de fake news nas redes.
Cristina explica como é possível diferenciar, com uma análise objetiva, uma notícia falsa de uma verdadeira. “As notícias falsas se fazem passar por notícias reais, então, elas usam de todos os elementos para se disfarçarem, como título, subtítulo, fotos e legendas de imagens. Também apelam para alguns ingredientes incomuns no noticiário convencional: tentam mobilizar crenças, gostos e desejos das pessoas; costumam misturar assuntos polêmicos, adjetivar e usar pontos de interrogação e exclamação, advérbios etc. Tentam fazer com que o conteúdo pareça mais bombástico, e aí mobilizam mais do que uma notícia comum”, esclarece.
Cristina enfatiza que essa mobilização atinge diretamente o que a pessoa que compartilha notícias falsas está esperando ou no que acredita, e isso independe do grau de instrução. “Com isso, caem por terra todos os filtros racionais que essa pessoa normalmente tem.”
“Entre as pessoas que compartilham, existem as agindo de má-fé, e as ingênuas que padecem de falta de conhecimento para observar uma informação e ali identificar um dado errado”, aponta. “Quanto às pessoas que agem por ingenuidade, precisamos aumentar o senso crítico desses indivíduos, estimular que vejam se a notícia tem fonte, se é atual, se a imagem mostra o lugar que a informação está dizendo que é. Precisamos treinar os olhos e ouvidos dessas pessoas para que suspeitem mais do que chega pelas redes. Quanto ao grupo que age por má-fé, de militantes ou ativistas, o importante é fazer com que não cresça”, ressalta.
A agência de checagem Aos Fatos, por sua vez, utiliza o sistema FactMachine – ou Fátima – como uma forma de automatizar a checagem. Trata-se de um chatbot para o aplicativo Messenger que dá dicas a consumidores de notícias sobre como identificar se uma notícia é falsa ou verdadeira, como separar notícia de opinião e como encontrar dados e fontes confiáveis.
“O objetivo é que consumidores de notícias e demais informações na internet possam checar informações de maneira autônoma e se sintam seguros para trafegar na rede de modo confiável e sem intermediários”, enfatiza a agência.
O método empregado pela Aos Fatos para identificar as fake news, bem como a procedência de uma informação, vai desde buscar fontes originais e confiáveis a consultar fontes alternativas, de modo a constatar contrariedades em dados oficiais.
É dessa forma que são apontadas inconsistências nos discursos que utilizam dados falsos de modo a popularizar um viés ideológico, ou até mesmo reduzir ou aumentar a relevância de um fato.
A agência Aos Fatos classifica uma declaração analisada entre sete categorias: verdadeira, imprecisa, exagerada, contraditória, insustentável, distorcida ou falsa. É possível verificar os métodos utilizados para checagem: a Aos Fatos disponibiliza uma série de manuais para verificação de boatos nas redes, como investigar um candidato político, checar vídeos virais e até um plano de aulas para alunos do ensino médio aprenderem métodos de checagem de informações.
Criminalização
O Brasil não tem uma lei específica para tratar da disseminação de notícias falsas, mas uma pessoa pode ser responsabilizada por danos morais em razão de injúria ou difamação.
O advogado criminalista e especialista em Direito Digital Luiz Augusto Filizzola D’Urso enfatiza que a responsabilidade sobre a disseminação de fake news recai sobre quem criou a notícia falsa, quem porventura se beneficiou dela, quem contratou um serviço para disseminação de fake news e quem compartilhou, ainda mais quando se trata de notícia difamatória, em razão do prejuízo que a vítima teve.
Ele explica que o combate às fake news deve ser feito em três frentes: a primeira é em relação ao dever do Estado de informar a população a respeito da responsabilização sobre o compartilhamento de notícias falsas; a segunda trata da necessidade de as empresas de tecnologia combaterem o compartilhamento irresponsável de fake news, além de informar quando a procedência de uma informação não é confiável; e a terceira frente é o papel de cada cidadão de não contribuir para a disseminação de tais notícias.
D’Urso afirma que a criminalização não é o melhor caminho. “O primeiro obstáculo para a criminalização é o tempo que demora para uma lei desse tipo entrar em vigor, e se o legislador não for um especialista, então essa legislação não atingirá a função devida. Além disso, a quantidade de conteúdo compartilhado nas redes dificulta a punição. A punição no âmbito cível, de modo que o indivíduo pague indenização pelo dano, é muito mais efetiva”, frisa.
Cristina Tardáguila também aponta quais caminhos podem ser tomados no combate às fake news. “Vejo duas soluções para notícias falsas: uma em curtíssimo prazo, a colaboração entre jornalistas, que é a categoria que está na linha de frente e efetivamente entregando uma resposta a essas notícias falsas. É preciso uma colaboração mais efetiva, mais contundente e mais frequente para que o combate seja estrategicamente mais forte. Em médio e longo prazos, a única saída é a educação, o ensino da profissão de checagem, que isso esteja nos currículos escolares, mais meios que possibilitem a cada cidadão ter acesso e conhecimento suficiente para, por si só, fazer sua própria verificação, nem que seja básica”, completa.
Você pode enviar notícias para checagem e acompanhar a veracidade de informações. Confira os sites das principais agências de fact-checking:
– Agência Lupa: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/
– Aos Fatos: https://aosfatos.org/
– Boatos: https://www.boatos.org/
– Estadão Verifica: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/
– E-Farsas: http://www.e-farsas.com/
– Truco (Agência Pública): https://apublica.org/checagem/
– UOL Confere: https://noticias.uol.com.br/confere/
– Fato ou Fake (Globo): https://g1.globo.com/fato-ou-fake/
– Ministério da Saúde: http://portalms.saude.gov.br/fakenews